terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Sobre o Colchão

Sobre o colchão, a memória importunamente vem ressuscitar fantasmas. Teve tempos que a mente se iludiu com aspectos de felicidade, pensou enfim que era feliz. E os fantasmas agora riem.
O colchão agiu como um gatilho, recordando coisas que deveriam ser esquecidas. Remoendo fatos do passado. O cheiro do cabelo, o colchão velho que chegava dar coceira, a conversa sobre os lençóis, os planos que ficaram no esquecimento e o filho que nunca veio.

“..Ver a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos
Na mesma direção..”


A memória é cruel em querer lembrar um passado que deveria ser esquecido. Dos erros cometidos; da insegurança; da hesitação. Veio como um redemoinho destruindo tudo que achava estar consolidado. A ferida que parecia cicatrizada, parecia pulsar novamente em dor. Como se reaberta por debaixo do retalho de pele recomposta. O passado vem trazer fantasmas que amaldiçoam o nosso sono, e nos faz perguntar “como vivemos desde então?”

Aquilo que parecia ser um porto seguro afundou-se. Afundou tudo que estava em volta. Encobriu a ilha com um mar de amargura. E o oceano nunca mais teve vida como antes.
Por causa de apenas uma memória, castelos podem ruir e o futuro se desconstruir. Tudo pode mudar. Menos a tristeza que perdura desde a adolescência (e chegou a cogitar que sumiria quando mais velho), ledo engano. Uma simples recordação, um simples colchão no chão, pode nos mostrar toda a fragilidade e insegurança que tentamos esconder.

Se pudéssemos apagar certas memórias, por mais felizes que sejam, seria melhor. Não ressuscitar velhos rancores. Esquecer eternamente o que não findou em fracasso. Todos os nossos erros e covardia. Enfim, como se pudéssemos apagar a memória, nenhum colchão jogado ao chão causaria tanta comoção. 

“... Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecido.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças...”    

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