sábado, 14 de maio de 2016

Desajustado



Se fosse propenso a beber, seria um perfeito pé-de-cana,
Ou qualquer outro vício que o fizesse fugir dessa realidade insana,
Desajustado, além de tudo que parece ser dentro do contexto,

Não se ajustou ao quadro social, então forja qualquer pretexto,
Adrenalina, age melhor que a fluoxetina que flui nessa idade,
Serotonina que é vendida em pequenas porções de felicidade,

As angústias moram na saudade e nas dificuldades de vivenciar,
Os comerciais anunciando o que tenho que fazer e comprar,

Sou audiência, cliente, consumidor, eleitor e paciente,
Consumido por dentro e por fora incessantemente,
Criando o desejo de tirar férias de mim mesmo e do mundo,
Uma pequena pausa na existência de um vagabundo.


domingo, 8 de maio de 2016

A Melhor Mãe do Mundo


Minha mãe não é a melhor mãe do mundo. Nem a sua é. 
Ela não dormiu de preocupação por febres, dores e choros que tive. Não só por mim, mas também por meus irmãos. 
Passou necessidade para prover alimento a cria. Teve que se submeter a humilhações para sobreviver e cuidar da filha. Passou por tudo com um instinto natural, como uma tigreza que cuida de seus filhotes.

Mas ela não é melhor mãe do mundo. Nem a sua é. 
Não importa quantos dias ela chorou por você. De todas as precauções que ela tem em vida pensando em você, mesmo já sendo adulto e ter constituído família. A preocupação com a cria dela só se encerra no fim da vida e talvez se prolongue de forma transcendental. 

O título de mãe implícita um empate técnico entre todas as que existem. E se você que lê, se tornar uma mãe, estará também nesse empate técnico. Não há troféus. Não há medalhas. Há muita dedicação, sofrimento, renúncias, dores por empatia. Todavia, a natureza que espalha na maioria dos seres vivos essa capacidade de se tornarem "mães", acabou criando (sabiamente) uma força própria dela. 

A perpetuação da espécie em forma de amor incondicional. Não há melhor mãe do mundo. A definição de "mãe" já está inclusa algo imensurável. 
A todas as mães que não precisam de medalhas, pois elas sabem por tudo que passaram (e passam), como discussões inócuas com os filhos adolescentes e os problemas eternos que esse pedaço delas trazem. E por mais contraditório que seja, nenhuma é, unicamente, a melhor mãe do mundo, mas todas são. Elas são.

domingo, 1 de maio de 2016

Aula de Anatomia


Na aula de anatomia veremos os corpos de indigentes,
Prontos para dissecação por mãos indiferentes, 
A pele, os músculos e até os ossos: Tudo será estudado, 
Menos o nome e a história do dito cujo finado, 

Sem falar de sistemas econômicos, ou do quadro social, 
Mas gostaria de saber como se chegou a esse ponto crucial, 
Quem foi você? Alguém chorou por ti? O que aconteceu? 
Quem velou teu corpo e quem te esqueceu? 

Foram os parentes, os amigos? Enfim, falhamos como sociedade? 
Como pode ser tão comum ver tamanha miséria em passividade? 
Na sala ficam para estudo, aqueles corpos finados, 
Frios, mas não tanto quanto há milhares de corações gelados.


Oração ao Cadáver Desconhecido 

"Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas; cresceu embalado pela fé e esperança  ldaquela que em seu seio o agasalhou, sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens; por certo amou e foi amado e sentiu saudades dos outros que partiram, acalentou um amanhã feliz e agora jaz na fria lousa, sem que por ele tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome só Deus o sabe; mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a humanidade que por ele passou indiferente." 

Karl Rokitansky (1876) 

Ao cadáver, respeito e agradecimento.