O mundo é horrível não acha é?
- Porque fala isso? Não
acho. Não sou milionário, mas tenho meu conforto, apesar de todas as
dificuldades.
E porque você tem esse seu conforto? (mesmo que
tímido conforto)?
- oras, porque me
esforcei.
E quem não tem o mesmo conforto que você, não se
esforçou? Qual tipo de esforço você se
refere?
- Veja bem, não quero
desmerecer o trabalho de ninguém, mas eu estudei para isso. Certo, estudei em
faculdade pública, mas pago com altos impostos que nos é roubado. Se tal pessoa
não teve o mesmo acesso que eu tive, o que posso fazer?...Martirizar-me por
ela?
Poderia ter compaixão. Percebe que o mundo está
longe de ser justo e que nossa sociedade tem um alto nível de violência que é
baseado em consequências históricas que se arrastam por
séculos.
- Ah! Já vai esquerdar...
Vai falar sobre a escravidão, índios e os portugueses que levaram o ouro? O que
eu tenho a ver com isso? Meus avós vieram de outro país, e foram explorados
tanto quanto os escravos...
Eles eram considerados menos que humanos, eram
maltratados pela polícia e viviam sobre a eugenia de um
pseudocientificismo mal baseado no darwinismo?
-Não. Não acredito
nessa coisa de racismo. Somos todos iguais perante a lei. Isso é
"coitadismo". Vitimismo dos negros que querem se beneficiar com
que houve em um passado longínquo. Hoje é tudo racismo, vitimismo, mimimi. Os
gays já ficam todos revoltadinhos também. Todo mundo se dói hoje em dia.
Racismo é um passado longínquo? Ser
taxado como perfil visado pela policia pela cútis é apenas uma
estranha coincidência? Talvez, antes não achassem que poderiam ser ouvidos. Que
alguém achasse que aquele incomodo seria notado. Talvez, poderiam sentir que
tinha razão. Culpamos a vítima. E em um eterno sentimento que se assemelha a
uma síndrome de Estocolmo, exponencialmente na proporção de uma sociedade,
aqueles que tanto se sentiam apenas magoados, mas que nada diziam, estejam
falando só agora. Apesar de historicamente haver negros
como capitães-do-mato, nativos de etnia indígena como bandeirantes e
outros casos semelhantes, os mesmos são reflexo dessa síndrome coletiva.
- Não estou falando
nada disso, você está divagando... Mas, se você notar, apenas como
observação: a maioria dos presos são pardos e negros.
E isso é coincidência, ou acha que é algo genético
como se apoiavam os pseudocientificismo...? Será que não é consequência de um
descaso, regado a preconceito e muita hipocrisia que vem criando esse cenário
atual?
- E quer que faça o que
com isso, se você tiver razão? Se for realmente isso que você está dizendo, se
eu reconhecer isso vai mudar algo?
Reconhecer o erro seria uma iniciativa
interessante. Apesar de não haver respostas definitivas ou certezas; mas
percebe-se razões correlatadas que desembocam no desfecho que nós encontramos.
Nosso histórico explica os sintomas de hoje. Não temos certezas... Mas o que é
a sociedade além de uma aglomeração humana de diversos povos, famílias,
identidades, e pluralismo? Eu, você, somos parte dessa culpa. Somos parte do
erro sistemático. Somos a continuação de tudo que foi ensinado a nós como
certezas e que agora não
parecem tão certas assim... Talvez a sociedade esteja doente.
- Você acha que somos
doentes? É isso?
Se não somos, estamos. Como sociedade. Como seres
humanos. Prendemo-nos em coisas tão supérfluas e não conseguimos discernir o
que está tão errado. O absurdo acaba se tornando comum e admissível. Como
podemos viver dessa forma, se a maioria não vive, apenas existe e sobrevive
como dá? Nosso ego é tão grande que não nos incomodamos com a miséria? Os
problemas dos outros se torna nosso problema quando o outro acha uma forma
errônea de agir e nos atinge... Mas se só houvesse maiores chances? Mais
possibilidades, além das poucas e escassas existentes? Essa noção de mérito em
uma nação que foi dividida a menos de 20 anos por milhões de esfomeados e que
ainda encontra traços retrógrados, como racismo, a "a lei do Gérson"
que se dá bem quem dá seu "jeitinho”... É natural imaginar que exista
meritocracia quando a lei é idealista em dizer que somos todos iguais perante
ela, mas a realidade nos mostra que nunca fomos. Nossa pluralidade mostra que
somos tão parecidos e ainda sim tão diferentes, fazemos parte desse paradoxo
que chamamos de vida.
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