quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Sociedade Doente






O mundo é horrível não acha é?

- Porque fala isso? Não acho. Não sou milionário, mas tenho meu conforto, apesar de todas as dificuldades.

E porque você tem esse seu conforto? (mesmo que tímido conforto)?

- oras, porque me esforcei.

E quem não tem o mesmo conforto que você, não se esforçou? Qual tipo de esforço você se refere?

- Veja bem, não quero desmerecer o trabalho de ninguém, mas eu estudei para isso. Certo, estudei em faculdade pública, mas pago com altos impostos que nos é roubado. Se tal pessoa não teve o mesmo acesso que eu tive, o que posso fazer?...Martirizar-me por ela?

Poderia ter compaixão. Percebe que o mundo está longe de ser justo e que nossa sociedade tem um alto nível de violência que é baseado em consequências históricas que se arrastam por séculos.

- Ah! Já vai esquerdar... Vai falar sobre a escravidão, índios e os portugueses que levaram o ouro? O que eu tenho a ver com isso? Meus avós vieram de outro país, e foram explorados tanto quanto os escravos...

Eles eram considerados menos que humanos, eram maltratados pela polícia e viviam sobre a eugenia de um pseudocientificismo mal baseado no darwinismo?

-Não. Não acredito nessa coisa de racismo. Somos todos iguais perante a lei. Isso é "coitadismo". Vitimismo dos negros que querem se beneficiar com que houve em um passado longínquo. Hoje é tudo racismo, vitimismo, mimimi. Os gays já ficam todos revoltadinhos também. Todo mundo se dói hoje em dia.

Racismo é um passado longínquo? Ser taxado como perfil visado pela policia pela cútis é apenas uma estranha coincidência? Talvez, antes não achassem que poderiam ser ouvidos. Que alguém achasse que aquele incomodo seria notado. Talvez, poderiam sentir que tinha razão. Culpamos a vítima. E em um eterno sentimento que se assemelha a uma síndrome de Estocolmo, exponencialmente na proporção de uma sociedade, aqueles que tanto se sentiam apenas magoados, mas que nada diziam, estejam falando só agora. Apesar de historicamente haver negros como capitães-do-mato, nativos de etnia indígena como bandeirantes e outros casos semelhantes, os mesmos são reflexo dessa síndrome coletiva.

- Não estou falando nada disso, você está divagando... Mas, se você notar, apenas como observação: a maioria dos presos são pardos e negros.

E isso é coincidência, ou acha que é algo genético como se apoiavam os pseudocientificismo...? Será que não é consequência de um descaso, regado a preconceito e muita hipocrisia que vem criando esse cenário atual?

- E quer que faça o que com isso, se você tiver razão? Se for realmente isso que você está dizendo, se eu reconhecer isso vai mudar algo?

Reconhecer o erro seria uma iniciativa interessante. Apesar de não haver respostas definitivas ou certezas; mas percebe-se razões correlatadas que desembocam no desfecho que nós encontramos. Nosso histórico explica os sintomas de hoje. Não temos certezas... Mas o que é a sociedade além de uma aglomeração humana de diversos povos, famílias, identidades, e pluralismo? Eu, você, somos parte dessa culpa. Somos parte do erro sistemático. Somos a continuação de tudo que foi ensinado a nós como certezas e que agora não parecem tão certas assim... Talvez a sociedade esteja doente.

- Você acha que somos doentes? É isso?

Se não somos, estamos. Como sociedade. Como seres humanos. Prendemo-nos em coisas tão supérfluas e não conseguimos discernir o que está tão errado. O absurdo acaba se tornando comum e admissível. Como podemos viver dessa forma, se a maioria não vive, apenas existe e sobrevive como dá? Nosso ego é tão grande que não nos incomodamos com a miséria? Os problemas dos outros se torna nosso problema quando o outro acha uma forma errônea de agir e nos atinge... Mas se só houvesse maiores chances? Mais possibilidades, além das poucas e escassas existentes? Essa noção de mérito em uma nação que foi dividida a menos de 20 anos por milhões de esfomeados e que ainda encontra traços retrógrados, como racismo, a "a lei do Gérson" que se dá bem quem dá seu "jeitinho”... É natural imaginar que exista meritocracia quando a lei é idealista em dizer que somos todos iguais perante ela, mas a realidade nos mostra que nunca fomos. Nossa pluralidade mostra que somos tão parecidos e ainda sim tão diferentes, fazemos parte desse paradoxo que chamamos de vida. 

 

 

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