quarta-feira, 9 de abril de 2014

Antes do Clarão.


Antes do clarão só havia as trevas. Quando nasci nada existia para mim, então devo presumir que sou Deus e o Diabo encarnado na pele de homem. Quando cheguei a esse mundo, fui inundado com todas as normas e crenças, regimes e formas, certo e o errado.

Não havia espaço para a forma livre. Era preciso duvidar do que estava predefinido, e flertar com o que haviam julgado como errado.

Antes de mim, eu não existia. Então pressupõe-se que sou meu próprio Big-Bang. Sou o precursor e a sustentação de toda a mitologia que existe. Sou o Alfa e o Omega perdido pelo meio. Sou mais um refém do destino em um jogo de cartas marcadas. 

Sou tão quanto imagino ser. Sou o novo universo que nasceu, a estrela que brilhou a anos luz, o sol que ilumina minha face de dia. Sou aquele que duvida de si mesmo. Que não teme a morte, mas sim a vida. Sou uma terra nova, uma realidade diferente, um universo paralelo a todos os outros existentes no infinito. 


Sou a ausência do ser. Há esse fardo a carregar, como um Atlas falido e cansado. Essa falsa sensação de leveza na verdade é uma insuportável leveza do ser.

Antes de saber quem eu era, ainda sim já era alguém que por sua vez se esqueceu de quem é. Não havia história. Não havia a consciência. Existo porque existo. Existo, porém não vivo; sobrevivo.

Antes do clarão, só havia a escuridão e o silêncio monstruoso que se alastrava e dominava tudo. Tudo que na verdade era nada. Antes de perceber que aqui estou, nada estava e nada nunca esteve. Até o momento terreno, em que fecharei os olhos pela última vez, quando ainda nenhuma pergunta será respondida e quando toda a saciedade de conhecimento será esquecida, junto com as dores acumuladas pelo percurso da vida, voltarei a ser nada.


As trevas que eclodem junto ao silêncio, a ausência aterradora. O vácuo que tanto assusta. O vazio que tantos fogem. Serei meu fim, uma gravura no epitáfio, minha morte, meu Deus e demônio. Serei apenas um homem morto.


Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo.
Jean-Paul Sartre

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