domingo, 17 de março de 2013

Os idiotas confessos By Nelson Rodrigues (19/8/1968) in A Cabra Vadia.



Antigamente, o idiota era o idiota. Nenhum ser tão sem mistério e repito: — tão cristalino. O sujeito o identificava, a olho nu, no meio de milhões. E mais: — o primeiro a identificar-se como tal era o próprio idiota. Não sei se me entendem. No passado, o marido era o último a saber. Sabiam os vizinhos, os credores, os familiares, os conhecidos e os desconhecidos. Só ele, marido, era obtusamente cego para o óbvio ululante.
Sim, o traído ia para as esquinas, botecos e retretas gabar a infiel: — “Uma santa! Uma santa!”. Mas o tempo passou. Hoje, dá-se o inverso. O primeiro a saber é o marido. Pode fingir-se de cego. Mas sabe, eis a verdade, sabe. Lembro-me de um que sabia endereço, hora, dia etc. etc.
Pois o idiota era o primeiro a saber-se idiota. Não tinha nenhuma ilusão. E uma das cenas mais fortes que vi, em toda a minha infância, foi a de uma autoflagelação. Um vizinho berrava, atirando rútilas patadas: — “Eu sou um quadrúpede!”. Nenhuma objeção. E, então, insistia, heróico: — “Sou um quadrúpede de 28 patas!”. Não precisara beber para essa extroversão triunfal. Era um límpido, translúcido idiota.
E o imbecil como tal se comportava. Nascia numa família também de imbecis. Nem os avós, nem os pais, nem os tios, eram piores ou melhores. E, como todos eram idiotas, ninguém pensava. Tinha-se como certo que só uma pequena e seletíssima elite podia pensar. A vida política estava reservada aos “melhores”. Só os “melhores”, repito, só os “melhores” ousavam o gesto político, o ato político, o pensamento político, a decisão política, o crime político.
Por saber-se idiota, o sujeito babava na gravata de humildade. Na rua, deslizava, rente à parede, envergonhado da própria inépcia e da própria burrice. Não passava do quarto ano primário. E quando cruzava com um dos “melhores”, só faltava lamber-lhe as botas como uma cadelinha amestrada. Nunca, nunca o idiota ousaria ler, aprender, estudar, além de limites ferozes. No romance, ia até ao Maria, a desgraçada.
Vejam bem: — o imbecil não se envergonhava de o ser. Havia plena acomodação entre ele e sua insignificância. E admitia que só os “melhores” podem pensar, agir, decidir. Pois bem. O mundo foi assim, até outro dia. Há coisa de três ou quatro anos, uma telefonista aposentada me dizia: — “Eu não tenho o intelectual muito desenvolvido”. Não era queixa, era uma constatação. Santa senhora! Foi talvez a última idiota confessa do nosso tempo.
De repente, os idiotas descobriram que são em maior número. Sempre foram em maior número e não percebiam o óbvio ululante. E mais descobriram: — a vergonhosa inferioridade numérica dos “melhores”. Para um “gênio”, 800 mil, 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de cretinos. E, certo dia, um idiota resolveu testar o poder numérico: — trepou num caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma multidão. O orador teve a solidariedade fulminante dos outros idiotas. A multidão crescia como num pesadelo. Em quinze minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão.
Se o orador fosse Cristo, ou Buda, ou Maomé, não teria a audiência de um vira-lata, de um gato vadio. Teríamos de ser cada um de nós um pequeno Cristo, um pequeno Buda, um pequeno Maomé. Outrora, os imbecis faziam platéia para os “superiores”. Hoje, não. Hoje, só há platéia para o idiota. É preciso ser idiota indubitável para se ter emprego, salários, atuação, influência, amantes, carros, jóias etc. etc.
Quanto aos “melhores”, ou mudam, e imitam os cretinos, ou não sobrevivem. O inglês Wells, que tinha, em todos os seus escritos, uma pose profética, só não previu a “invasão dos idiotas”. E, de fato, eles explodem por toda parte: são professores, sociólogos, poetas, magistrados, cineastas, industriais. O dinheiro, a fé, a ciência, as artes, a tecnologia, a moral, tudo, tudo está nas mãos dos patetas.
E, então, os valores da vida começaram a apodrecer. Sim, estão apodrecendo nas nossas barbas espantadíssimas. As hierarquias vão ruindo como cúpulas de pauzinhos de fósforos. E nem precisamos ampliar muito a nossa visão. Vamos fixar apenas o problema religioso. A Igreja tem uma hierarquia de 2 mil anos. Tal hierarquia precisa ser preservada ou a própria Igreja não dura mais quinze minutos. No dia em que um coroinha começar a questionar o papa, ou Jesus, ou Virgem Maria, será exatamente o fim.
É o que está acontecendo. Nem se pense que a “invasão dos idiotas” só ocorreu no Brasil. Se fosse uma crise apenas brasileira, cada um de nós podia resmungar: — “Subdesenvolvimento” — e estaria encerrada a questão. Mas é uma realidade mundial. Em que pese a dessemelhança de idioma e paisagem, nada mais parecido com um idiota do que outro idiota. Todos são gêmeos, estejam uns aqui, outros em Cingapura.
Mas eu falava de que mesmo? Ah, da Igreja. Um dia, ao voltar de Roma, o dr. Alceu falou aos jornalistas. E atira, pela janela, 2 mil anos de fé. É pensador, um alto espírito e, pior, uma grande voz católica. Segundo ele, durante os vinte séculos, a Igreja não foi senão uma lacaia das classes dominantes, uma lacaia dos privilégios mais hediondos. Portanto, a Igreja é o próprio Cinismo, a própria Iniqüidade, a própria Abjeção, a própria Bandalheira (e vai tudo com a inicial maiúscula).
Mas quem diz isso? É o Diabo, em versão do teatro de revista? Não. É uma inteligência, uma cultura, um homem de bem e de fé. De mais a mais, o dr. Alceu tinha acabado de beijar a mão de Sua Santidade. Vinha de Roma, a eterna. E reduz a Igreja a uma vil e gigantesca impostura. Mas se ele o diz, e tem razão, vamos, já, já, fechar a Igreja e confiscar-lhe as pratas.
Cabe então a pergunta: — “O dr. Alceu pensa assim?”. Não. Em outra época, foi um dos “melhores”. Mas agora é preciso adular os idiotas, conquistar-lhes o apoio numérico. Hoje, até o gênio se finge imbecil. Nada de ser gênio, santo, herói ou simplesmente homem de bem. Os idiotas não os toleram. E as freiras põem short, maiô e posam para Manchete como se fossem do teatro rebolado. Por outro lado, d. Hélder quer missa com reco-reco, tamborim, pandeiro e cuíca. É a missa cômica e Jesus fazendo passista de Carlos Machado. Tem mais: — o papa visitará a América Latina. Segundo os jornais, teme-se que o papa seja agredido, assassinado, ultrajado etc. etc. A imprensa dá a notícia com a maior naturalidade, sem acrescentar ao fato um ponto de exclamação. São os idiotas, os idiotas, os idiotas.

terça-feira, 12 de março de 2013

Os Pecados dos Imperfeitos.



O mundo corrompe as pessoas, ou mostra realmente quem somos? Nas crianças percebemos a bondade imaculada, que vai se perdendo com o passar dos anos. O individuo se cerca, protegendo-se dos ataques, criando defesas contra as austeridades do meio em que vive.

Não é atoa que esperam por um “salvador”, um “escolhido”, que seja imaculado e puro, que traga a redenção para todos. Na verdade procuram a própria salvação, pois aceitam seus próprios pecados isentos de modificação, aceitam-se os pecados sem abdicar de quem é, e da pior forma possível, não admitem ou se rendem aos próprios erros:

Admitem que erram, mas não que são errados. Procuram uma absolvição já que se sentem incapazes de mudar por si só. Não aceitam a culpa, mas dizem-se imperfeitos, a mea culpa, se faz presente.

Querem a salvação da própria alma sem se modificar, sem lutar pelas próprias convicções, se tornando refém de algo mágico e maravilhoso, de uma compensação divina ou do além.
 As recompensas além-mundo, ou até mesmo desse mundo, as questões éticas e leis proclamadas são o que podam o ser, de sua natural ação egoísta e egocêntrica, freiam suas ações impulsivas (na maior parte, repulsivas) que os remetem a puros animais, esses que enchem o peito para dizer ser a imagem da perfeição e serem racionais.

 O eixo do mundo gira em torno do individual, o “eu” é algo importante demais para ser colocado em coletivo, e o mesmo só é lembrado quando se tem algum beneficio em troca. O ar de superioridade, o detrimento do outrem, a vontade de ser melhor que alguém apenas por ser, é o que move os dias de hoje. A bondade parece extinta e fictícia, e talvez por isso criam-se a figura do ser imaculado, que deveria ser o padrão social, mas que é visto como divino, por fazer aquilo que a maioria deveria fazer.

Símbolos que são mantidos por séculos, mas que parecem ser “inalcançáveis”, por seus seguidores. Nem mesmo as ideologias são seguidas afinco. São deturpadas e moldadas a bel prazer, para saciar as necessidades do ego, da vontade de parecer ser superior, das necessidades que não são bem tão essenciais assim...

Esperamos um salvador para nos salvar de nós mesmo. Temos medo do escuro, da morte, da dor, e de tudo mais que nos mostre nossas fraquezas. Esperamos uma absolvição de alguém superior que deixará nossos defeitos de lado, (como não fazemos com os outros semelhantes) e nos tornara parte da perfeição, e o mais importante, esperamos que nossa demagogia funcione, apesar de todos os erros e mentiras e que se existir um ser superior realmente, que esse nos absolva apesar de não merecermos, porque deixamos escapar qualquer chance de fazer a diferença.

segunda-feira, 11 de março de 2013

O Sonho do Mercado Livre!


Enquanto se acha que o livre mercado é a saída, não se pensa em todos os acordos por debaixo do pano. Conglomerados sendo formados nas surdinas, acordos empresariais que se aproximam do termo “Cartel”, oligopólio é a nova forma de mercado, transvestido de liberdade. A democracia se mescla na política intercontinental das empresas que utilizam trabalho terceirizado, para diminuir seus custos. Os países de origem da matriz se tornam apenas uma lembrança, pois a verdadeira força das multinacionais é motivada pelo outsourcing e venda intercontinental.

Enquanto o mais simplório cidadão de classe média do país emergente se ilude com teorias do livre mercado tão apregoados pela mídia corporativista, e ainda defendem a concentração de renda por uma minoria que se mantém no poder a gerações que por intermédio de uma concepção já secular, se imagina um dia ser tão rico quanto o seu admirado ídolo milionário, sem pensar na constatação que entre eles, quanto menos milionários, maior é a repartição do lucro!

A ideia de “O trabalho enobrece a alma”, e “ele é rico e fez por merecer, trabalhando”, ainda se esconde no subconsciente ignorante da maior parte da população. Não se leva em conta os artifícios usados para alcançar os seus objetivos. Enquanto o “bem-estar social” é algo que parece estar longe de um país emergente, e o mesmo sofre duras penas na realidade globalizada, e enquanto a participação de lucros da empresa parece ser um conto de fadas que só existe em mundos utópicos, continuamos subdesenvolvidos.
Não se contesta a concentração de renda ou concentração midiática, por quê? 

Talvez o sentimento de inveja com o pouco de admiração de querer se tornar aquele padrão rico e “bem-sucedido”, além da ideologia de “ter é poder”, seja uma das alavancas que constituem o mercado ocidental, principalmente no Brasil, onde a ideologia conflituosa se permanece desde a escravidão aos dias de hoje se arrastando pelas sombras, não sendo invocadas de boca cheia, mas que persistem com arquétipos raciais e sociais, em uma luta de classes que persiste desde os tempos da senzala, passando pelos cortiços e aterrissando nas milhares de favelas existentes que rasgam a região periféricas das grandes, médias e também pequenas cidades.


Política Utópica.



É fácil pensar em governos ideais e utópicos. É ideal imaginar que a politica publica nos beneficiaria, individualmente, a todos os quereres. Mas não se imagina a corrupção inerente ao poder. Não se imagina que a politica é impulsionada por trocas de favores.

Enquanto a mídia empresarial enaltece os seus interesses e contratos publicitários, tentando motivar revoltas vazias em mentes frágeis, acomodadas em seus pequenos confortos, a politica segue seus passos sombrios como de costume, muda-se a bandeira, a legenda, tende-se a ter algumas flexões ideológicas como populismo ou privatizações para o mercado estrangeiro, mas no seu cerne os maiores interessados são os que ostentam o poder e vivem do seu regalo e que não ligam para o seu dia-a-dia maçante.

Querem enxergar um céu com arco-íris, mas o que existe é um céu cinza. São poucos os políticos realmente honestos. (e se mesmo quando não se é politico, é difícil de encontrar uma alma que não seja tão egoísta e alienada em seus próprios interesses, como exigir esse comportamento de alguém?). É cada um por si e todos contra todos. Um mundo mais selvagem que qualquer animal irracional poderia aguentar.

A classe politica move-se como se fosse independente, dita o seu querer como se não precisasse prestar contas à sociedade, e enquanto a sociedade se alienar pela mídia publicitária e seus próprios afazeres e prazeres fugazes, acha que nada irá mudar e reclama em “boca pequena”, mas afinal quem se importa?

quinta-feira, 7 de março de 2013

Cotidiano Ordinário.


Olhos cansados, pensativos e amontoados em todos os seus problemas do dia-a-dia. Pensar além da necessidade é quase um crime bestial. Acomodar-se em seus sofás e manter a mente desligada a maior parte do tempo, é o segredo do sucesso que inibe a taquicardia (não é bem um sucesso, mas sim uma forma de lobotomia social).

Pagar as contas do mês, ser um servil devoto, se amontoar sobre os vagões da vida, e agradecer por tudo que lhe é dado na volta do seu percurso diário e amaldiçoando todo o martírio na ida.
É possível aguentar quase todo o sofrimento, virar o rosto para oferecer a outra face, porque é assim que tem que ser (sem muita sensatez), e alguém um dia a muito tempo atrás comentou algo nesse gênero (talvez!).

É preciso aguentar até o último suspiro, se enganar com os prazeres momentâneos como se fossem eternos e temer o que não conhecido a cada respiro.
O medo é quase irracional, transformam os reis em simples animais, os donos em simples peças. 

Toda a forma é mudada para se sentir medo, e se sentir inseguro e para lutar pelo pão pisoteado pela figura mítica do mal que reside em vossa cabeça. No fim, de cada prece, no fim de cada dia, a busca da redenção eterna, e a sensação de que tudo deve valer a pena, porque senão, seria ilógico viver dessa maneira severa.